Uma Carta para o meu pai...

A carta que nunca te vou ler

ou a ânsia do perdão.

Quero dizer-te que és especial, que és o meu modelo. Que estou feliz por ter crescido ao teu lado e

que te olho com admiração. Que sempre cuidaste de mim e que trabalhaste muito para construir uma família.

Quero, mas não posso.

Porque não seria verdade…

Quero dizer-te que me ensinaste a navegar pelo mundo, a ter coragem de errar. A ver e a sentir as

realidades, a saborear as emoções, a amar as pessoas.

Educaste-me a gostar de mim, a construir esta pátria ou mátria que não se dissipa, mas se transforma dia-a-dia em algo melhor.

Quero dizer-te que gosto muito de ti, que és a minha rocha, a minha fortaleza, o meu sol.

Quero, mas não posso.

Porque não seria verdade…

Quero dizer-te que não gosto do doce sabor da raiva, que rasgo com os dentes. Da amargura de não conseguir respirar.

Quero, mas ainda não posso.

Porque não seria verdade…

Um dia, numa manhã de primavera e, como quem dá sol a cegos, contaste-me que pediste a Deus que eu tivesse uma forte experiência espiritual. No absurdo vi fé. Esperei pelo verão, mas tudo o que tive foi um rigoroso inverno.

Hoje queria gritar que isto nunca se concretizou e como foi inútil.

Queria, mas não posso.

Porque não seria verdade…

Sem saber, decidi aceitar aquilo que pediste para mim.

Consegues ver a luz? Acredito que sim.

Hoje quero ser teu filho, estar ao teu lado e dizer obrigado pela coragem, pela sabedoria, pela disponibilidade para o sofrimento.

Porque o caminho para chegar aqui era impossível, mas aconteceu.

Perdoar e ser perdoado, sim!

Entre o amor e o ódio, ao espelho, vejo alguém de quem gosto e tem muito de ti. Sinto um sorriso de orgulho, porque afinal nunca estivemos sós. Deus não deixa.

Obrigado pela tua bravura pai.

Não foste o pai que gostaria de ter tido, mas foste o melhor pai que me podia ter acontecido.

Quero dizer-te que um dia, de coração rasgado, quero fazer o mesmo pedido para os meus filhos a esse Deus que não falha.

Quero, mas ainda não consigo.

Afinal, amar como tu dói muito.

Carta redigida por um adito em recuperação.