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Testemunho de Sobrevivência a uma Adição

Foto do escritor: ReCareReCare

Atualizado: 28 de abr. de 2020

Hoje, estou aqui.

O meu nome é Francisca (nome fictício) tenho 50 anos e durante muitos anos fui uma pessoa que saía à noite, praticamente todas as noites, para ir para bares, ouvir música e encontrar-me com pessoas que faziam o mesmo tipo de vida.

Eu sou de Lisboa e vivia em Lisboa.

Estudei num colégio privado, concluí os estudos, mas nunca fui muito disciplinada.

Dava-me bem com a maioria dos colegas e amigos.

Fazia muito desporto, quer na escola quer fora.

Não sei porquê, sempre senti gozo em fazer o que não era correto, o que não se deve fazer ou o que não é normal fazer-se, era o que se chamava: uma miúda rebelde.

No fundo porque sentia vazio, insatisfação interior e inadequação.

Bebi pela primeira vez aos 12 anos, num jantar de volley do clube onde eu pertencia. Bebi vinho, sempre, sem parar. Talvez para enfrentar a minha timidez, para socializar melhor e sentir-me mais à vontade. Bebi muito. Quando me deitei, em casa, vomitei.

Conto isto porque este exemplo mostra como se manifestou em mim, pela primeira vez, a tendência para o uso e abuso de álcool ou drogas. Fazia-o para me sentir mais à vontade, diferente e de "cabeça cheia".

Durante a minha adolescência, frequentava as cervejarias ao pé do colégio, encontrava-me com os meus amigos. Faltávamos às aulas, bebíamos e riamos.

Havia também as festas do liceu e fora do liceu. No entanto terminei o ensino secundário com sucesso e ingressei na universidade. Até esta altura já tinha experimentado haxixe, erva, heroína e cocaína. As duas últimas apenas experimentei, só voltei a consumir mais tarde.

Durante a universidade, consumi essencialmente cocaína, e ecstasy aos fins de semana, que começavam à sexta-feira e acabavam ao domingo à noite.

Durante a semana fumava charros desde que acordava até adormecer, e bebia “uns copos”.

Isto durante 4 anos, mas a partir dos 27 anos e até aos 35, para além dos charros que sempre fumei, usei heroína e cocaína. Primeiro injetava mas depois de alguns meses comecei a fumar.

Terminei a licenciatura em comunicação, mas deixei o mestrado a meio, infelizmente.

Enquanto estudei na universidade fui para fora de Portugal, por opção minha e porque os meus pais me ajudaram, também trabalhei num mercado ao ar livre e numa esplanada junto à universidade.

Enquanto estudei na universidade, saía, ía a concertos, tive namorados e namoradas, mas nunca parei com esse ritmo das drogas, saídas à noite, música e festas.

O que, com os anos, se foi acentuando. 

Um dia apaixonei-me por alguém que também consumia drogas, que foi aliás o que nos juntou em primeiro lugar. O que acabou por ser o princípio do fim. Trabalhava na área de comunicação no entanto no dia em que recebia o ordenada acabava por gastar tudo em drogas. Isto afetava também a minha capacidade de trabalhar. Entre esquemas para sair a meio do trabalho e tentar extorquir dinheiro, saltitei de emprego em emprego. Cheguei a ser despedida por me verem a comprar droga antes de ir trabalhar. A minha relação terminou. Tive de abandonar a casa onde morava porque não tinha dinheiro para pagar a renda. E esta fase culminou quando, no emprego que tinha nessa altura roubei dinheiro de um colega de trabalho, saí, entrei no carro e enquanto conduzia para ir comprar droga, adormeci e bati contra dois carros.

Este foi o meu primeiro julgamento. Não tinha carta de condução, tinha um carro e ninguém da minha família sabia.

É importante referir que somos vários irmãos, mas que só eu tive problemas com drogas.

Depois desse julgamento, vieram muitos mais. Regressava muitas vezes a casa dos meus pais, para roubar, pedir dinheiro ou para dormir quando estava drogada. Dormia dois dias inteiros porque às vezes passava 2 ou 3 dias sem dormir.

Ía muito pouco a casa dos meus pais.

Roubava, assaltava e traficava. Vivia para a droga. Estava cansada, exausta, despersonificada mas, não conseguia deixar a droga.

Tentei de tudo: CAT, metadona, geográficas e psiquiatras. Nunca consegui ficar mais de um dia sem me drogar.

A última vez que fui apanhada pela polícia, tive um cúmulo jurídico que ainda hoje em dia, me surpreende eu ter comparecido.

No final, tive a sorte e e a decisão do tribunal mudou-me a vida: se me tratasse com sucesso evitaria estar presa 9 anos e meio.

E, foi aí, que a minha vida recomeçou, há 15 anos atrás.

Fiz um tratamento dos 12 passos. Sofri muito. Estive quase 7 meses em tratamento. Mas consegui reaver a minha vida de volta. Fui uma privilegiada, bem o sei. Tive do meu lado pessoas incríveis, que tiveram para comigo uma calma e paciência inacreditáveis. Pessoas essas que me acompanham e me ajudam até hoje. Estou-lhes infinitamente grata. Como à minha família e aos amigos.

Sei hoje que este sistema dos 12 passos, foi a solução que precisava, e foi esse o caminho para a minha reconstrução. E, assim continuo todos os dias.

Nunca imaginei que voltasse a trabalhar. Mas, de facto, isso são loucuras pensamos quando apenas vemos escuridão e abismo.

Não só recomecei a trabalhar, como já tive diferentes empregos, e em todos eles tive gosto pelo que fiz.

Comecei uma relação, 1 ano depois de estar em recuperação. Foi difícil conseguir respeitar esse conselho do prazo, mas fi-lo. Estou com a mesma pessoa há 14 anos. e já partilhámos bons momentos de felicidade. Vivo para mim e para a minha família e amigos.

Gosto de mar, sol, montanha, de caminhar, ler, pintar, nadar, ouvir música, gosto de conversar, de rir e de dar gargalhadas bem alto.

Gosto imenso de viver. Houve momentos no passado em que achei que isto nunca mais voltasse a acontecer. Mas aconteceu, e acontece todos os dias! A nossa estrada, o nosso caminho, não é fácil e muitas vezes leva-nos por ruelas escuras, mas acreditem, haverá sempre luz.



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