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Pai,
enquanto te escrevo, muitas são as memórias que pairam na minha mente...
Poucas são positivas, muito poucas demonstram o teu afeto para comigo e para com os manos. Todas são duras de recordar, pois envolvem discussões, gritos, violência e vergonha. Sabes, foram muitas as noites em que não dormi à espera que chegasses ou a consolar o choro dos manos. Em outras noites, escondida atrás da porta da sala, assisti ao desespero da mãe com o teu estado. Os gritos, as agressões, os nomes…
Pedi-te tantas vezes, a medo, para ficares em casa, para brincares connosco e nos contares uma história.
Dizias sempre que tinhas de ir trabalhar ou que um amigo precisava de ajuda... Eu não entendia. Por um lado via-te como um herói, mas depois o fim de todas as histórias era o mesmo: entravas em casa aos tropeções, a gritar e bêbedo.
Nas festas de anos, nos almoços com os tios, a imagem de ti permanece, quase sempre igual, copo na mão, a mãe a chamar-te a atenção minuto a minuto e depois a ir chorar para um canto de vergonha. Terminavas os eventos sempre da mesma forma, a dormir num canto. Enquanto brincava com os primos, eles olhavam para ti e riam-se. Eu só queria fugir e chorar.
Quando cresci, lembro-me de te dizer que não gostava que bebesses. Já percebia a realidade das coisas, o que fazias na verdade nessas tardes e noites “de amigos”. Amigos que nunca vi, na verdade. Aliás, lembro-me de um que te trouxe completamente bêbedo a casa, depois de um jantar de trabalho. Era pai de um amigo meu da escola. Tive tanta vergonha de abrir a porta de casa e receber-te assim… mas pior foi encarar o meu amigo no dia a seguir na escola. Afinal, não era surpresa para ninguém os teus comportamentos.
Em casa, apenas fingíamos não ver. Eu fingia nem saber. Doía menos…
Hoje, a tua doença, o alcoolismo, levou-te de mim. Continuas vivo, a beber, mas eu decidi seguir a minha vida sem ti. Tomei a decisão de me afastar, de me proteger das mentiras, dos gritos e das acusações constantes.
Pedi ajuda para ti inúmeras vezes, nunca deu certo: ou porque não querias e não tinhas problema nenhum ou porque desistias e abandonavas os tratamentos. Houve vezes em que quase acreditei que ias conseguir superar: fazias o tratamento direitinho e aceitavas ser ajudado.
Mas, depois lá voltavas a beber… porque já eras capaz de controlar...
Não consegues é perceber que a doença é que te controla a ti.
Continuo a não desistir de ti, como pai, como pessoa. Mas, decidi proteger-me. Decidi que não queria que a tua doença me roubasse a sanidade mental.
Não quero que o meu filho, o teu neto, conheça um avô que é uma desilusão de pai. Não quero que, tal como eu, ele sofra com a tua doença.
Espero que, um dia, pares. Que um dia, reconheças que precisas de ajuda e aceites.
Que um dia, mudes as tuas atitudes e comportamentos.
Espero que um dia sejas meu pai.
Com amor eterno, L.
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